Falta reagente para exame do pezinhoLaboratório do Hospital de Base de Brasília acumula cerca de nove mil amostras de sangue de bebês do Distrito Federal. Não há material para o teste que detecta doença que pode provocar retardamento mental
Érica Montenegro [Da equipe do Correio
Wanderlei Pozzembom]
Janaína levou Maria Eduarda para fazer o teste na rede pública: novo exame em um laboratório particular, para ‘‘ficar tranqüila’’
Há três meses o ‘‘teste do pezinho’’ — essencial para a saúde do recém-nascido — vem sendo feito pela metade no Distrito Federal. O objetivo do exame, obrigatório por lei federal e local, é diagnosticar duas doenças congênitas: o hipotiroidismo e a fenilcetonúria (distúrbio no metabolismo). Mas, desde o início de agosto, a rede de saúde se restringe a detectar o hipotiroidismo. O reagente necessário para verificar a presença de fenilalanina (que causa o distúrbio) no sangue está em falta. A demora no diagnóstico da fenilcetonúria pode comprometer o desenvolvimento físico e mental da criança e causar retardamento mental. ‘‘É um caso gravíssimo’’, afirma o presidente da Sociedade de Pediatria do Distrito Federal, José Alfredo Lacerda de Jesus. Ele explica que a doença precisa ser detectada no primeiro mês de vida para que o tratamento da criança comece imediatamente. ‘‘O bebê não pode ingerir qualquer alimento com fenilalanina, o que inclui o leite materno’’, explica o pediatra. Se até os três meses de vida a doença não tiver sido identificada, as crianças poderão apresentar danos irreversíveis no futuro. O Laboratório do Hospital de Base, que centraliza o teste no Distrito Federal, já tem pelo menos nove mil amostras de sangue coletadas em que o exame foi feito de forma incompleta. ‘‘Estamos guardando as amostras para realizar o exame quando o reagente chegar’’, afirma a responsável técnica do laboratório, Moema Ferreira. Licitação De acordo com Moema, a Secretaria de Saúde foi informada da necessidade de reposição antes que o estoque do reagente tivesse chegado ao fim, há mais de três meses. ‘‘Desde então estamos aguardando o material para o exame’’, afirma. Procurada pela reportagem, a assessoria da Secretaria de Saúde informou que a falta do reagente deve-se a problemas em licitações públicas. O diretor de apoio logístico e material da Secretaria de Saúde, Carlos Torquato, garantiu que o reagente será enviado ao Hospital de Base até a próxima semana. Algumas mães não têm sequer o conhecimento de que o exame de seus filhos vem sendo feito de forma incompleta. Até ontem, a comerciária Janaína Alves Marques, 28 anos, estava tranqüila em relação à saúde da filha Maria Eduarda, de dois meses. ‘‘A enfermeira me disse que eles entrariam em contato apenas se o resultado do exame apresentasse algum problema’’, conta Janaína, que levou a filha ao Centro de Saúde nº 8, em Ceilândia, no dia 27 de agosto. ‘‘É uma irresponsabilidade que eles não tenham comentado nada sobre a falta do reagente’’, desabafou, ao saber que o exame para fenilcetonúria não havia sido realizado. Janaína pretendia procurar um laboratório particular hoje, para repetir o exame. O advogado do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Augustino Veit, pretende protocolar uma denúncia no Ministério Público. ‘‘É um absurdo o governo tirar a chance de portadores da doença iniciarem o tratamento em tempo hábil.’’ A incidência da fenilcetonúria é de uma criança para cada grupo de 14 mil, enquanto há um caso de hipotiroidismo congênito para cada grupo de 5 mil.
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[Revista Época, 04 de Agosto de 2005]
Diagnóstico precoce
Muitas doenças metabólicas já têm tratamento, desde que sejam identificadas no início
VIDA NORMAL Regina faz a dieta da fenilcetonúria desde que nasceu
Nunca se soube tanto sobre as doenças metabólicas hereditárias. São mais de 500 tipos de defeitos genéticos transmitidos dos pais para os filhos e que podem prejudicar o conjunto de reações químicas do organismo. ''Quando colocamos todas juntas, a incidência pode chegar a um caso para cada 2 mil nascimentos'', explica Ana Maria Martins, coordenadora do Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O diagnóstico precoce é fundamental. A estudante Regina Lorencini, de 10 anos, começou a fazer a dieta para tratar a fenilcetonúria com 1 mês de vida. Hoje, não apresenta nenhuma seqüela. A designer Paula Estelian, de 52 anos, foi diagnosticada com doença de Gaucher aos 2 anos e meio de idade, quando se sabia pouco sobre a enfermidade. Desde 1995 faz o tratamento de reposição enzimática e tem o problema sob controle.
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